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segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Outra Cartomante

Tudo começou numa sexta-feira de janeiro de 2011, quando o namorido de Rita foi convocado pela presidenta Dilma para uma missão à África do Sul.
A Rita, que há pouco tempo havia juntado os trapos com Vilela, foi surpreendida por uma notícia prá lá de triste. Vilela teria que embarcar para o Haiti, não tinha como escapar. E assim, ele foi entre soluços e prantos. Pobre Rita!
Então Rita teve a idéia de consultar uma cartomante que há pouco chegara na cidade a qual atendia com hora marcada e de preferência com pagamento adiantado. Rita adentrou-se à sala e logo se sentou em um banco. A cartomante sentou à sua frente.
- O que você quer saber minha jovem?
- Tipo assim, meu namorido deve embarcar essa semana no aeroporto de Camobi rumo ao Haiti, a pedido do governo. Preciso saber se ele voltará!
A cartomante fez lá sua macumbinha básica, jogou as cartas, olhou, analisou, pensou, repensou...
Rita estava apreensiva.
- Fale logo, pelo amor de Deus!
- Eu não costumo falar para meus clientes o que as cartas me dizem. Esse é o meu referencial!
- Como assim? Cê não vai me dizer o que viu aí nas cartas?
- Dou o resultado impresso; como um resultado de exame, entende?                
- Ah, ok.
- Por favor, espere lá fora que logo a minha secretária te entregará o resultado.
Rita foi para a sala de espera. A cartomante chamou a sua secretária, que digitou em seu notebook o resultado, lacrou o envelope e mandou que entregasse à moça. Rita recebeu o envelope e não se continha de tanta curiosidade, mesmo assim deixou para abrir o envelope em casa.
Dirigiu-se até o ponto de ônibus, onde teve que esperar por mais ou menos meia hora.
Ao chegar a sua casa, correu para o quarto, sentou-se na sua cama, abriu o envelope e, não podia receber notícia mais triste:
           Lá estava escrito que perderia o amor de sua vida. Desesperada e muito assustada com o que leu, pois recém tinha se ‘juntado’, resolveu fazer de tudo para que Vilela não fosse ao Haiti.
           Ela interpretou os escritos da cartomante como um aviso de que Vilela não iria voltar daquela missão e por isso decidiu fazer de tudo para que ele não fosse. Até enganou os seguranças presidenciais e conseguiu entrar no Palácio da Alvorada para conversar pessoalmente com Dilma, inventando estar muito doente e que gostaria de passar os últimos meses de sua vida ao lado de seu namorido.
           Dilma, muito comovida com o pedido, resolveu atendê-lo, liberando Vilela dessa missão. Mas no lugar de ir ao Haiti, ele deveria ir até a Complexo do Alemão, integrar uma Unidade de Polícia Pacificadora, auxiliando na segurança daquelas favelas, já que o Rio de Janeiro é muito mais perto e Rita teria a possibilidade de ir morar junto com seu amado.
           Muitos meses se passaram e o relacionamento do casal não era o mesmo. Vilela chegava todos os dias altas horas da madrugada, sempre com a desculpa que estava trabalhando, e já não dava mais atenção a sua companheira.
           Desconfiada, Rita decidiu segui-lo e descobriu que Vilela tinha um caso com uma “pirigueti” de 5ª categoria e, ainda por cima, até filhos já tinha com ela. Esse foi um momento muito ruim de sua vida, pensou até em suicídio e caiu no mundo das drogas. Foi através disso que conheceu um traficante, que atendia por Catraca, muito conhecido naquelas redondezas e se apaixonou perdidamente.
           Feliz com seu verdadeiro amor, Rita lembrou-se da cartomante. Ela acertara que perderia Vilela, no entanto, errou ao dizer quer era o amor de sua vida, pois só agora, ao lado de Catraca, descobrira o amor verdadeiro.
           Em uma bela noite de sábado em que todos estavam prontos para mais um “pancadão”, o destino de Rita não seria mais o mesmo depois dessa fatídica noite. Ao entrar na boate, ela e Catraca foram surpreendidos por pessoas de uma facção rival e o tiroteio iniciou-se. Ela conseguiu esconder-se sem sofrer qualquer arranhão, mas seu companheiro acabou levando muitos tiros de fuzil perdendo muito sangue. Como não havia leito em hospital algum, Catraca acabou empacotando.
           Os anos se passaram e Rita voltou para sua cidade natal. Certo dia passou pela frente do local em que a cartomante atende e, percebeu que se enganara. Não era de Vilela que ela falava, ela se referia à perda de Catraca. Como poderia imaginar?
           Novamente, adentrou no “consultório”, torcendo para que A Cartomante lhe entregasse um resultado positivo sobre seu futuro, pois a vida até então havia sido difícil. A velha Cartomante pegou suas cartas, embaralhou-as, pediu para que Rita cortasse e virou cinco cartas em sequência. Enquanto digitava seu resultado, encaminhou Rita para realizar o pagamento. Recebeu, enfim, o envelope lacrado.
           Entrou no ônibus em direção a sua casa, não aguentou, abriu ali mesmo o envelope. Antes de ler qualquer palavra resolveu, com certo sarcasmo no sorriso, se desfazer daquele envelope, jogando-o pela janela.

Luluzinhas Leitoras recontando Machado de Assis, em "A Cartomante" (1884).

2 comentários:

  1. Queridas Clareci, Ieda, Lisiane, Silvina e Thaysa!

    Parabéns pela reescrita do conto A Cartomante. Está fantástica.
    A criatividade de Vocês se destaca ao modernizar as falas, ao uso de novos suportes tecnológicos e não esqueceram da violência e apelos da modernidade e desafios do dia-a-dia. Ainda, valorizaram as falas regionais características de nosso interior.
    Gostei muito e a resposta à atividade foi de muita qualidade.

    Aproveitem e não se cansem de divulgar e atualizar o blog. Vale a pena conferir.

    Abraço carinhoso
    Profa. Marilene

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  2. O humor e a tragédia juntos, com muita propriedade nesta produção, atualizada para o Brasil de agora (já com Dilma na presidência)... Gostei do final, onde a protagonista descarta a carta, sem lê-la: ótima e criativa solução.
    Parabéns, queridas Luluzinhas!
    Com afeto
    Kátia

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